Pintura.

    Tudo que você leu até aqui, qualquer oficina de fundo de quintal pode fazer. Mecânica de VW, soldar assoalho e pintar chassi não tem (muito) segredo. Porém, chegamos ao momento que separa homens de meninos: a fibra.

    Se você pesquisar pela Internet, principalmente em sites americanos de barcos e réplicas, você verá várias técnicas de uso de fibra-de-vidro, ou a famosa fiberglass. Só servirão para uma coisa: inveja. A Puma usava uma técnica de trabalho com fibra que foi aperfeiçoada durante anos e anos. A minha 73 já poderia ser considerada o estado da arte para o tecnologia utilizada. Porém, esta tecnologia utilizava materiais que fora substituídos com o passar do tempo, principalmente no exterior. Assim, trabalhar com Pumas é um tanto frustrante, pois a fibra tem o péssimo hábito de trincar, pois é mais dura do que deveria. Para melhorar, ou piorar, repare nas fotos da minha Puma: perceba que a fibra tem umas listras vermelhas. Sim, meu carro tem um tipo de fibra ainda mais diferente. Tão diferente que não encontrei ninguém que saiba explicar o que é diferente, se tem alguma coisa diferente. Ou seja, se o solvenmte deveria se especial, agora é tarde...

    Além do material, trabalhar com fibra exige muita calma e um lado artista muito forte do profissional. Usar massa em quantidade é catastrófico. Até mesmo a massa a ser usada é diferente da usada em outros carros.

    No meu carro seriam necessárias algumas modificações para que ele voltasse a ser o que fora: os faróis tinham bolhas acrílicas e  as lanternas eram de Variant antiga e não de Kombi.

    Estas fotos são do carro já lixado:

   

    Veja que o parachoque dianteiro estava quebrado.

    Uma das coisas legais de restaurar um carro que foi da sua família durante tanto tempo é que a fibra guarda cicatrizes dos acidentes passados. Quando lixamos o carro, cada acidente, batida e reparo podiam ser identificados na carroceria.

   

    Dá para perceber que o carro foi lixado até a resina. Isso é importante para evitar as tais rachaduras e as bolhas na pintura.

   

    Nesta foto dá para perceber as rachaduras na fibra. Não há outra maneira de de consertar isso: só tirando uma parte da fibra na qual está a rachadura (ou seja, fazendo um canal profundo) e preenchendo com resina e com manta. Várias partes da carroceria tiveram que ser refeitas pois já apresentava trincas.

    Terminada esta preparação, passamos aos trabalhos de artesanato.

   

    Repare que o pára-choque foi consertado. Que os faróis ganharam o encaixe das bolhas. Que tem massa em cima da resina!

   

    A parte da massa em cima da resina não me agradou. Eu preferia resina e só. Bem pouca massa. Lembra das trincas?

    Bem, eu não sou profissional e o profissional me garantiu que a massa seria lixada praticamente toda. Foi, mas eu preferia ter visto a resina ser lixada.

    Agora começou a parte mais importante: o acabamento.

    Fibra de vidro é uma resina plástica. Então ela tem todos os problemas que eu já falei mais um: ela é porosa. Se você não veda a fibra de reagentes externos, ela reage com eles e adivinhe: trinca!

    O maneira usual de criar esta barreira é usando o gel-coat. Se você já viu uma banheira de fibra, deve ter percebido o acabamento com uma tinta pálida: não é tinta, é o gel-coat. O problema é que poucos ainda usando o tal gel-coat para pintura de automóveis e muitos juram que é melhor não usá-lo. Se você pesquisar, verá que existem duas posições e as duas tem seus argumentos. Eu não sabia o que fazer, mas sabia que não encontraria no Brasil um gel-cot com todas as propriedades químicas que eram recomendadas. Assim, arrisquei (você perceberão que o verbo arriscar torna-se comum numa restauração de Puma) e usei pouco gel.

    Quando o fibreiro deixou o carro pronto para pintar, comecei a experimentar.

    Primeiro eu defini a marca de tinta a ser usada, no meu caso foi a PPG pois era a marca que tinha melhor documentação na Internet. Dizem que a Dupont possui produtos marginalmente melhores, mas como eu não usaria verniz que corrige riscos naturalmente, sem ação humana, eu sabia que precisava dos melhores produtos, não do melhor dos melhores.

    Então eu defini como seria a pintura ideal. Para isso apelei para alguns restauradores europeus de Ferraris e outros carros históricos. Eles pintam melhor do que a própria Ferrari, pois os carros que são pintados tem estruturas antigas e materiais antigos.

    Depois eu defini quais produtos PGG seriam usados. Isso leva em conta alguns fatores: quais produtos estão a venda no Brasil e quais produtos podem ser usados pelo pintor. Sim, isso é muito importante: a maioria dos pintores não possue uma cabine de pintura perfeita. Ou seja, o produto deve dar resultado com o instrumentos que se tem a disposição. Ainda tentei verificar em algumas concessionárias se eles só pintariam o carro, mas o custo se tornaria impossível para o que eu pretendia.

    Finalmente, eu mostrei ao pintor o bobagem que ele fez ao dizer que se eu fornecesse o material ele pintaria quantas vezes fosse necessário.

    A pintura ideal tem os seguintes passo: primer PU; etch primer; high build primer, sealer, tinta.

    Explicando: o primer PU é uma ótima base. Ele adere ao material com firmeza e é bem resistente. O etch primer é um primer especial para aderir ao metal, evitando ferrugem. Alguns recomendam aplicar o PU antes. Outros o etch. Como não pintava metal ( o carro é todo de fibra), eu nem tentei entender qual seqüência era melhor.

    Porém, no caso da fibra de vidro, e principalmente no meu caso eu aumentei a fase do prime PU. Lembra da massa que seria lixada? Pois bem, ela foi lixada, e aplicado o primer, que foi quase que totalmente lixado. Isso para acertar as formas do carro. A beleza da Puma são seus vincos. Assim, estes vincos seriam preservados e o carroceria ficaria lisa.

    Quem me visse analisando cada camada de prime me internaria. Eu acariciava o carro em busca de falhas, de desníveis, de qualquer coisa. Loucura pura. Só serviu de chacota para o pessoal da oficina e para o fibreiro ter que refazer o que estava correto, mas eu sentia que tinha problema. Bem, eu estava pagando uma fortuna por essa loucura; então que a loucura aparecesse!

    Vejamos como foi este começo:

    

    Esta foi a primeira camada de prime. Ela foi tingida de vermelho para facilitar o acerto de problemas.

   

    Cabe uma enorme dica para a pintura. Os produtos que devem ser usados são os alto-sólidos, que como o nome diz, tem uma concentração de produto maior. Mas, o principal, deve ser uma linha que tenha um flexibilizante padrão. Flexibilizante é um aditivo que permite que a camada de produto flexione. Basta apertar o pára-choque de uma carro novo para entender o porquê disso. Bem, fibra de carbono tem o péssimo hábito de flexionar. Fibra de vidro também, mas bem menos. Porém, o que é bom para uma, funciona com a outra. Ou seja, para evitar problema grandes (os pequenos acontecerão sempre) você deve investir no tal aditivo que ninguém compra porque é caro. Mais, deve ligar para a matriz do fabricante de tintas para acertar a mistura, pois a maioria dos técnicos nacionais não estão acostumados com estas misturas de alguns produtos. Verdade seja dita: o suporte da PPG em Campinas foi de grande valia acertou em quase tudo.

    Bem, muita lixa depois, a tal primeira camada de prime virou história.

   

    Aqui já temos a nova cama de prime. Repare que ela já foi lixada, deixando a mostra algumas partes da fibra. Lembra das carícias?

   

    Agora mais uma camada de primer.

   

    Esta é a última camada do Prime PU, que neste caso teve uma mistura diferente para ficar "high build". Repare que a camada anterior era cinza clara e esta é cinza média. Lembra da consulta a PGG americana sobre misturas? Bem, misturamos o prime, o reagente, o flexibilizador e um pouco de tinta para fazermos novamente uma inspeção. Só acariciar não bastava. Esta camada final é mais grossa, permitindo que se lixada, ainda sobre primer. Além disso, é menos porosa, permitindo um acabamento melhor da pintura.

   

    Aqui vemos os locais que precisaram de acerto.

    Finalmente, vamos ao selador.

    Se você sabe um pouco de pintura já deve estar pensando que alguém me enganou. Afinal, ninguém usa selador para dar acabamento em primer, pois o selador nada mais é que um outro primer. Você está certo. Não é necessário usar um selador, mas quando alguém pinta uma das poucas Ferrari GTO 64 eles usam. Então, porque não usar?

    O selador tem três funções no nosso caso. Lembra que a fibra e o primer eram porosos? O selador não é. Ele veda todos os materiais. A tinta e o verniz geralmente assumem esta função, mas aqui tem um produto especial.

    A segunda função é ser uma base melhor para a pintura. Como ele não é poroso, ele serve como um vidro, liso e uniforme. Ele foi tingido de cinza médio pois o cinza é a melhor base para tinta vermelha (lembra das técnicas de restaurar Ferrari?).

    A terceira função é ser úmido, ou para os íntimos, brilhante. Isso garante o vidro que escrevemos no parágrafo anterior, mas principalmente garante que possamos verificar como ficará a carroceria pintada. Se tiver qualquer problema ele aparecerá.

    O problema é que você deve passar o selador, esperar algumas horas e pintar. Nem poucos minutos, nem muitas horas. A oficina de pintura parou um dia para isso.

   

    Repare como brilha e como todos os vincos brilham ainda mais.

   

   

    Vamos ao finalmente: a pintura.

    Existe hoje dois tipos de pintura: a PU e a poliester (que não é o nome correto, mas vai explicar isso...).

    A PU é aplicada em apenas uma camada. Quando seca, basta polir que já tem brilho. É parecida com o processo original da Puma. É resistente, brilhante.

    A poliester é aplicada em duas camadas. A primeira é de tinta. A segunda é o verniz. Se você se pergunta porque quando compra um carro a pintura metálica é mais cara, a resposta é que o carro deve ser pintado mais vezes (primeiro a tinta,, depois o verniz). O tempo de pintura é um custo muito maior do que o preço da tinta.

    A pintura com verniz é melhor que a PU. Enquanto que na PU a tinta faz de tudo um pouco, na poliester o verniz pode fazer o que dele se espera: brilhar e proteger a tinta. Por isso eu escolhi este processo, mais caro, mais trabalhoso e se algum dia eu quiser a placa preta, vai ser objeto de discussão. Fazer o que?

    Os manuais das tintas recomendam duas demãos. Isso é o mínimo! Pode passar pelo menos quatro.

    Cabe uma questão quanto ao verniz. Existem diversos tipos de verniz para se escolher (inclusive o tal que conserta riscos, a base de cerâmica). Porém, a escolha deve levar em consideração o que se está pintando e como. Vernizes muito sólidos não aceitam o flexibilizante. Esqueça. Vernizes que secam muito rápido não funcionam bem em oficinas sem cabines de pintura especiais, pois criam uma camada menor e podem ficar opacos.

   

    A foto acima mostra a primeira camada de tinta. Ela foi aplicada apenas nos vincos e bordas do carro.

   

   

    Esta já mostra o carro pintado. Mas falta o verniz...

     

    Como um espelho...

   

   

    A cor utilizada foi o vermelho monza do Opala 72 (e do corvette 69). A Puma utilizava cores VW como base, mas aceitava encomendas (por isso temos pumas laranjas, roxas e pretas). Considero original uma cor GM do ano anterior ao da Puma.

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